6º Domingo do Tempo Comum

08/02/2024

 “Se quiseres, podes curar-me” – Mc 1,40-45. A liturgia do 6º Domingo do Tempo Comum nos traz o retrato do Deus da misericórdia. Na primeira Leitura temos a legislação que definia a forma de tratar os portadores da Hanseníase – lepra (Lv 13,1-2.44-46). Um texto que gera perplexidade pois, a partir de uma imagem deturpada de Deus, inventam-se normas de discriminação e de rejeição de pessoas, criadas a imagem de Deus. O Evangelho, por sua vez, mostra Jesus rompendo barreiras e revelando o verdadeiro rosto de nosso Deus. No episódio deste domingo, última narrativa do primeiro capítulo de Marcos, descrito na forma de um diário de atividades, Jesus continua realizando ações em vista do Reino de Deus. O cenário geográfico, diferente das narrativas anteriores, é desconhecido, mas o texto coloca Jesus frente a um leproso, num tempo e num lugar não identificados. Tudo é “anônimo”, mas de força simbólica muito forte. Na primeira leitura vimos a condição social e religiosa de um leproso, hoje “hanseniano”.  Para a ideologia oficial, o leproso era um pecador e um maldito, vítima de um doloroso castigo de Deus. A sua condição excluía-o da comunidade e impedia-o de frequentar a assembleia do Povo de Deus. Tinha que viver isolado, apresentar-se maltrapilho e avisar, aos gritos, o seu estado de impureza, a fim de que ninguém se aproximasse dele. Não tinha acesso ao Templo, nem sequer à cidade santa de Jerusalém, a fim de, com a sua impureza,  não contaminar o lugar sagrado. O leproso era o protótipo dos marginalizados, dos excluídos, dos segregados. A sua condição afastava-o, não só da comunidade humana, mas também do próprio Deus. O Evangelho inicia dizendo que um leproso “aproxima-se de Jesus” e descreve os gestos e palavras deste homem. Sua atitude revela a intensidade de sua busca. Uma vez diante de Jesus, “prostrou-se de joelhos e suplicou-lhe”. O que ele pretende de Jesus não é apenas ser curado, mas ser “purificado”, ou seja, poder pertencer à comunidade humana e divina: “se quiseres podes purificar-me”. A reação de Jesus é estranha, pelo menos de acordo com os padrões judaicos. Em lugar de se afastar do leproso e de o acusar de infringir a Lei, Jesus olha-o “compadecido”, estende a mão e toca-lhe. O verbo “compadecer-se”, na literatura do Novo Testamento, é atribuído só a Deus e a Jesus, com exceção da parábola de Lucas, 10, 25-37, quando o verbo “compadecer” é atribuído ao Samaritano. É muito significativo um comentário de uma autora que comentou a parábola sob o título: “um homem segundo Deus. O Samaritano, ao socorrer o ferido, agiu como Deus age, que se “compadece” face à miséria e sofrimento da humanidade. A compaixão divina manifesta-se no gesto concreto para com o homem ferido: Jesus estende a mão e toca-o. Um gesto bem “humano”, mas de profundo significado teológico. Ao longo da história, desde a libertação do povo do Egito, Deus se aproxima da humanidade e a “toca”. Por outro lado, ao tocar o leproso, Jesus infringe a Lei, denunciando assim uma Lei que criava marginalização e exclusão. Após tocar o leproso, Jesus proíbe a divulgação do fato e se retira pois,  segundo a tradição, está contaminado.  A misericórdia tem consequências, nem sempre imaginadas. Ir. Zenilda Luzia Petry – FSJ