Saboreando a Palavra
O clamor dos que sofrem – Lc 18,1-8 – A parábola da viúva persistente é material exclusivo do Evangelho de Lucas. Não se encontra nos outros Evangelhos. A mulher viúva é tomada como exemplo da oração que agrada a Deus. Sua ação incansável e obstinada em busca da justiça e do direito é o exemplo maior de fé e oração esperada por Deus. A parábola reflete certamente uma situação muito habitual na Galileia no tempo de Jesus. Na maioria das vezes, infelizmente, ela é superficialmente interpretada, limitando a sua força apenas à persistência na oração. Ignora-se que, para além da persistência na oração, a parábola traz uma denúncia de infidelidade de um lado, bem como de luta incessante, persistente e impaciente pela justiça. Luta que uma pobre viúva enfrenta diante de um insensível juiz. Ela o enfrenta com uma atitude obstinada e até agressiva em busca de justiça. Um juiz perverso despreza, com muita arrogância, uma pobre viúva que lhe pede justiça. Denúncias contra juízes corruptos são uma constante entre os profetas do Primeiro Testamento. No Livro de Miqueias, texto base do mês da Bíblia de 2016, podemos ler: “ouvi… juízes da casa de Israel! Por acaso não cabe a vós conhecer o direito, a vós que odiais o bem e amais o mal…”. Em Isaías lemos: “ai dos que promulgam leis iníquas, os que elaboram reescritos de opressão para desapossarem os fracos do seu direito e privar da sua justiça os pobres do meu povo, para despojar as viúvas e saquear os pobres” (Is 10,1-2). O caso da mulher da parábola é desesperador, pois ela não tem nenhum varão que a defenda. E o juiz “não teme a Deus” e “não se importa com as pessoas”. É um homem surdo à voz de Deus e indiferente ao sofrimento das pessoas. A viúva é uma mulher sozinha, privada de um esposo e sem apoio social algum. Ela não pode fazer outra coisa senão pressionar, reivindicar seus direitos, sem se resignar com os abusos de autoridade do juiz. Toda a sua vida, suas energias, seu foco é um incansável clamor: “faze-me justiça”. Na narrativa, durante algum tempo o juiz não reage, ignora o clamor de quem sofre. Depois age, não por compaixão, mas para livrar-se do incômodo e para que as coisas não piorem ainda mais. Então vem a conclusão catequética para todos os tempos. Se um tal juiz, insensível, inescrupuloso, mesquinho e egoísta é capaz de fazer justiça, o que não fará o nosso Deus, um Pai sensível, cheio de compaixão, com o seu olhar voltado para os pobres, os órfãos e as viúvas! E Jesus incentiva aos que sofrem a prosseguirem com confiança, clamando, suplicando, resistindo, sendo incansáveis na busca por justiça e defesa de seus direitos. É um clamor articulado, organizado, incansável. Um clamor que se faz urgente em nossos dias, tanto diante dos juízes que também pervertem o direito, quanto diante de Deus frente a tantos “furacões” materiais e existenciais que abalam nossa confiança. Ir. Zenilda Luzia Petry – IFSJ
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