Saboreando a Palavra
“Apareceu no DESERTO” – Mt 3,1-12 – Coisa estranha neste evangelho! Se João Batista é o precursor e vem anunciar para o povo o Messias, no mínimo deveria ir lá onde o povo está, e não no deserto, lugar onde ninguém está. Também deveria ser uma figura com roupa socialmente apresentável, com alimentação não tão estranha. A narrativa informa que “gente de Jerusalém, da Judeia e do Vale do Jordão iam a ele. Confessavam seus pecados e ele os batizava”. A reação frente aos fariseus e saduceus porém é muito diferente. Parece que não tem intenção transparente. Vão ao batismo igualmente, mas a denúncia profética é duríssima. Por que? A doutrina do profeta precursor como um novo Elias estava baseada na expectativa da vinda do Messias, comum ao povo Judeu. Os doutores da lei ensinavam que antes da chegada do Messias deveria haver um grande arrependimento do povo. Apesar disso, fariseus e doutores acreditavam que chegariam ao Messias através da observância restrita da lei, segundo sua interpretação. Desde o exílio, as autoridades religiosas preocupavam-se com a restauração da nação. A expectativa sempre foi grande. Sucessivas derrotas políticas e militares criaram uma enorme insatisfação. Diríamos que o povo estava frustrado. Assim como nós hoje. É a crise de identidade. Naquela época, essa crise se manifestava com maior intensidade, já que para chegar o Messias era necessária a fiel observância da Lei. João afirmava que para a chegada do Senhor não era necessário e nem bastava ser da descendência de Abraão (v. 9). Exigia-se, antes de tudo, conversão. Podemos imaginar o impacto dessa afirmação! De repente, a segurança de fariseus e doutores ia por água abaixo. E João batiza os que o procuram. Com certeza, essa experiência não era exclusiva da religiosidade judaica. Já no pós-exílio, o judaísmo adotara o batismo como admissão de prosélitos a uma nova experiência religiosa. Banhos de purificação eram comuns a diversas culturas, religiosas ou não. Água lava e purifica. Tira sujeiras. Conversão aponta para a purificação simbolizada no batismo de arrependimento em águas correntes. Aí está a diferença entre o batismo de João e os demais batismos. Estes apontavam para a iniciação ressaltando a pureza ritual. João destaca a pureza moral. Banhar-se no batismo de João era declarar-se arrependido e decidido a iniciar uma nova vida. Mas o que João quer dizer sobre o batismo com o Espírito Santo e com fogo de Jesus? Aí está a radicalidade dos profetas. João aponta para a justiça. É uma nova nação de gente boa. Quem não passar pelo fogo, queimará (…) em fogo inextinguível (v. 12). Fogo no Evangelho de Mateus enfatiza conceitos fundamentais, como justiça e misericórdia. O que importa é agir. Este é o critério definitivo. Os verdadeiros discípulos de Jesus o seguem, não apenas o ouvem. Seguir é caminhar após, nos mesmos princípios do Mestre. Nada deveria chamar mais atenção do que a mensagem que ele tinha para anunciar Naquele lugar para as pessoas que dele se aproximassem. Isto só poderia ser feito no deserto, lugar simbólico por excelência, longe do sistema econômico, social, político, religioso da época. No total despojamento de tudo e de todos, Deus pode se encarnar e dar início a uma nova história, a uma nova ordem. É a partir do “deserto” que se realiza o reino de Deus. Oxalá compreendêssemos isto hoje! Ir. Zenilda Luzia Petry – IFSJ.
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