Saboreando a Palavra
“Vou pagar o justo” – Mt 20,1-16 – Neste 25º Domingo do Tempo Comum nos deparamos com uma parábola que quase sempre provoca desconforto e até indignação. O senhor da vinha não teria agido de forma justa. Antes de entrarmos no texto deste domingo é bom considerar que parábolas não são narrações de fatos ocorridos, ainda que se inspirem nas experiências da vida. São um recurso pedagógico literário para explicar os mistérios do Reino de Deus. A parábola faz enxergar o que há por detrás da linguagem direta. Um dos aspectos importantes das parábolas é que elas como que rompem com a lógica natural humana. Jesus faz seus relatos e sempre há o “elemento surpresa”, algo que desconcerta quem ouve. A parábola é assim: chega até a confundir as pessoas que querem as coisas definidas e sob medida, segundo seus critérios. É o que ocorre com a parábola dos operários contratados para trabalhar na vinha (cf. Mt 20,1-16): os que chegam no fim do dia recebem a mesma paga que os primeiros, que trabalharam o dia inteiro. Isto é difícil de aceitar em mentalidade de mérito. Esta parábola quer provocar os ouvintes para que comecem a pensar de outro modo. Olhando mais de perto, pode-se reconhecer três níveis diferentes da parábola em questão: a) um nível socioeconômico; b) um nível de conflito entre Jesus e os líderes religiosos do judaísmo de sua época; c) um nível comunitário, ou seja, o nível da relação entre os discípulos de uma comunidade cristã. a) No nível socioeconômico percebemos que a parábola se enraíza muito bem na realidade da Palestina no início do I século de nossa era. Os romanos ocuparam todas as melhores terras da Galiléia e, para um melhor rendimento, criaram os latifúndios. Os pequenos proprietários perderam a suas terras. O que sobrou para toda essa gente foi ficar na praça da aldeia a espera de um trabalho esporádico. Neste primeiro nível, a parábola quer deixar bem claro que estes marginalizados da praça devem passar a ser os primeiros. Numa sociedade justa, os mais fragilizados devem ser a primeira preocupação das autoridades. A solidariedade consistirá então dos mais remediados cuidarem dos mais necessitados, se alegrar pelo que é feito em favor deles e não resmungar como crianças ciumentas! Quanta atualidade neste relato! b) No segundo nível de leitura, a parábola revela o conflito entre Jesus e as lideranças judias, principalmente os fariseus. Deus fez aliança com o Povo de Israel, se comprometeu a ser o Deus do Povo e, por sua vez, o povo se comprometeu a ser Povo de Deus (cf. Êx 19, 5-8). Desde o tempo do Primeiro Testamento, a vinha é uma imagem que simboliza o Povo de Deus. Os primeiros chamados a trabalhar são os membros do Povo de Israel. Deus fez uma Aliança com eles (20,13). Neste contexto se fala provavelmente dos marginalizados, os esquecidos da sociedade, mas desta vez da sociedade religiosa: ninguém nos empregou. Numerosas são, no tempo de Jesus, as pessoas deixadas de lado pelo sistema religioso legalista do puro e impuro, criada pelas elites do povo Judeu. Os pobres eram considerados pecadores, portando, excluídos e não poderiam receber o mesmo dom de Deus. Para Jesus, os excluídos do sistema religioso serão os primeiros. c) A comunidade dos discípulos é terceiro nível. Os primeiros chegados na comunidade, os fundadores da comunidade, não podem usar esta situação para se colocarem na frente dos outros. Continua em vigor o que Jesus sempre disse: Quem quer ser o primeiro, que sirva os outros. Na nova vinha, no Reino de Deus, ninguém tem mais direitos do que os outros. Pois estar no Reino não é o resultado de méritos adquiridos, fruto de uma jornada laboriosa, de sol a sol. É um ato totalmente gratuito da bondade divina no qual todos são iguais. O espírito que deve animar a vida comunitária é o Espírito de amor, de bondade, de misericórdia. Se examinamos cuidadosamente esta parábola veremos que o que ela quer esclarecer não é a ideia do mérito, da recompensa bem medida, e sim o dom gratuito representado pelo salário de um dia oferecido também aos que trabalharam somente uma ou duas horas. O salário não é visto como recompensa pelo trabalho realizado, mas como um meio de garantir a vida e a dignidade das pessoas. Pode-se afirmar que a “justiça evangélica” é o novo nome da misericórdia. Ir. Zenilda Luzia Petry – IFSJ