Saboreando a Palavra

28/08/2018

A misericórdia do Pai e a opção de gênero – Lc 7,36-8,3. Neste 11º domingo do TC, temos a narrativa da assim chamada “mulher pecadora”, um texto cuja interpretação é viciada pela visão patriarcal e por que não dizer: machista. Trata-se da narrativa da “mulher pecadora”, que entra na casa de um fariseu, chora e lava os pés de Jesus com suas lágrimas, a unge-os com perfumes, e enxuga-os com seus cabelos. Uma cena que causa grande estranhamento no anfitrião que convidou Jesus para a refeição. Pode-se olhar o texto com mais atenção. O cenário da narrativa é a casa de um fariseu, daqueles que se consideram puros, dignos e merecedores da salvação, pois são fieis cumpridores da Lei. Para o fariseu não há espaço para o amor, para ações gratuitas e amorosas, para o esbanjamento de perfumes e afetos. Nesta casa, durante uma refeição, entra uma mulher sem ser convidada. O evangelho diz tratar-se de uma “pecadora” e que era “conhecida na cidade”. Certamente por ser “mulher”, logo é identificada como “prostituta”. O vocábulo grego empregado para dizer que é “pecadora” é o mesmo que se é emprega em Lc 15,1 quando se afirma que “publicanos e ‘pecadores’ se aproximavam de Jesus”. Então não se considera que os pecadores eram prostitutos… mas quando se trata de “mulher”, logo se se qualifica como “prostituta”. “Pecadores” eram os estrangeiros ou as pessoas que não cumpriam as Leis. Então a “mulher pecadora” poderia ser uma mulher estrangeira ou uma assim considerada por violar Leis. Assim, esta mulher pode ser símbolo de todas as pessoas que sabem amar, que rompem barreiras, agem na gratuidade. Alcançam o perdão e a misericórdia divinas, não por méritos, pela observância da Lei ou pelos ritos de sacrifício, mas na liberdade e no amor generoso. Certamente a mulher conhecia Jesus e já percebera que a misericórdia tem “opção de gênero”. Em nenhum momento Jesus discriminava as mulheres, mesmo que a inferioridade feminina estivesse cristalizada na cultura e religião judaica. Sendo ou não sendo uma prostituta, as narrativas da mulher que muito ama e das mulheres que “seguem e servem a Jesus” (8,1-3), mostram que a misericórdia tem opção de gênero. Isto não se faz sem gerar conflitos. É o que fica muito evidente nesta narrativa. Jesus revela-se um convidado perigoso, porque é capaz de desvelar o que está encoberto. Sua presença cria problemas para o anfitrião, coloca em risco o seu prestígio, a sua reputação, pois desmascara a maneira medíocre de amar do fariseu, desprovido de compaixão e calculista no julgamento. O fariseu perfeito tem comportamento frio, legalista, insensível, indiferente, rígido. O perfeccionista e o legalista é um ser anestesiado e petrificado: nele a misericórdia permanece atrofiada; ele ficará confinado dentro de um eu inchado e vazio, que caminha sobre pernas de barro. Onde o legalismo prevalece, ali a misericórdia não encontra espaço. Por isso, Jesus revela o abismo que existe entre a posição do fariseu e da mulher que, através de tantos gestos afetivos, expressa sua ternura e humanidade. “Entrei em sua casa e não me derramaste água nos pés… Não me deste um ósculo… Não me derramaste óleo na cabeça”. Aquele fariseu tinha muitas coisas para dar a Jesus, mas não lhe deu nada de amor; aquela mulher não tinha nenhuma coisa que dar-lhe, mas lhe deu o melhor: muito amor. Jesus valoriza todos os seus gestos de acolhida e ternura. E o evangelista conclui informando que não só 12 discípulos seguem Jesus, mas várias mulheres estão no discipulado, no serviço amoroso do cuidado. Sim, o rosto misericordioso do Pai tem opção de gênero lá onde se descrimina a metade do gênero humano. Ir. Zenilda Luzia Petry – IFSJ

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