Saboreando a Palavra

28/08/2018

Multiplicar talentos ou crer num Deus compassivo? – Mt 25,14-30 – A parábola dos talentos que a Liturgia deste 33º domingo nos apresenta, por mais conhecida que seja, pode ser facilmente mal interpretada ou, quem sabe, desfocada da intenção original de Jesus. Não podemos perder de vista que se trata de uma “parábola” e tem sentido bem mais rico do que aquele de fazer frutificar os talentos quase de forma humana e exterior, como muitas vezes é interpretada. Daí que uma leitura literal ou alegórica, foge do seu sentido, uma vez que se passa facilmente da compreensão de “talento=ouro” para “talento=competência=dons”. Certamente UMA foi a intenção original da parábola quando Jesus a contou, e OUTRA é a interpretação das comunidades de ontem e de hoje. Segundo alguns exegetas, originalmente Jesus estaria denunciando os gananciosos, inescrupulosos e ávidos por lucro, dos quais a Palestina e todo o Império Romano estavam repletos. O servo reprovado seria o único que teve coragem de não compactuar com o sistema. Tal como se difunde na mídia empresarial hoje, os mais ricos alimentam ódio contra o servo, levando-o à morte. Mas olhemos mais de perto o texto: A “parábola dos talentos” (Mt 25,14-30) está situada entre a “parábola das dez moças” (Mt 25,1-13) e a “do Juízo Final” (Mt 25,31-46. Para nos aproximar mais de uma correta interpretação possível, é importante que se leve em conta a situação concreta em que Jesus vivia quando falava em parábolas. São situações muito conflitivas com os fariseus, os sumos sacerdotes e os mestres da lei. Entre os judeus da linha dos fariseus, havia quem imaginava e doutrinava um Deus como “Juiz severo” que tratava as pessoas de acordo com o “mérito” conquistado pelas observâncias da lei. Jesus desmascara esta falsa imagem do Deus dos fariseus, que tornava a vida pesada e marcada pelo medo. A insistência de Jesus é no “Deus da misericórdia”. A parábola conta a história de um homem que, antes de viajar, distribuiu seus bens aos empregados, dando talentos equivalentes à capacidade de cada um. (Um talento correspondia a 34 quilos de ouro). A parábola tem certo suspense. Não sabemos com que finalidade o proprietário entregou o seu dinheiro aos empregados, nem como vai ser o fim. Os dois primeiros trabalharam e fizeram duplicar os talentos. Mas o que recebeu um, enterrou-o no chão para guardar bem e não perder. Depois de muito tempo, o proprietário voltou. Os dois primeiros disseram: “O senhor me deu x talentos. Aqui estão outros x que eu ganhei!” E o senhor dá a mesma resposta: “Muito bem, servo bom e fiel. Sobre pouco foste fiel, sobre muito te colocarei. Vem alegrar-te com teu senhor!” Ecos de uma teologia da retribuição!!! O terceiro empregado, que vê seu senhor como um “patrão severo”, chega e diz: “Senhor, eu sei que és um homem severo que colhes onde não semeaste e ajuntas onde não espalhaste. Assim, amedrontado, fui enterrar teu talento no chão. Aqui tens o que é teu!” Nesta frase transparece a imagem de um Deus como um patrão que exige um cumprimento das suas ordens até os mínimos detalhes, sem admitir nenhum fracasso. É o Deus que os fariseus anunciam. O rosto misericordioso do Pai, Jesus de Nazaré, critica esta imagem de Deus, pois tal visão fomenta a ideia do “mérito”, gera uma religião mercantilista, estimula a competitividade para ver quem consegue um “prêmio maior”… alimenta um perfeccionismo que gera muito sofrimento e farisaísmo. Certamente aqui nos encontramos diante de uma parábola potencialmente perigosa, quando sua leitura for focada no contexto maior da Boa Nova do Reino de Deus.