Saboreando a Palavra
“Voz que grita no deserto” – Mc 1,1-8. A “voz que grita no deserto” é a de um profeta enviado para “preparar os ca-minhos do Senhor”. Um mensageiro que anuncia a vinda do Messias. É surpreendente que ele grite no “deserto” e não no meio da multidão; que ele esteja vestido pobremente e não com trajes apropriados para ser o arauto do rei; que se alimente de gafanhoto e não de iguarias servidas nos “banquetes de Herodes”. Alguém na contramão de tudo o que se poderia imaginar. Aquele que saltou de alegria no ventre de sua mãe, com sua voz no deserto, neste deserto em que a humanidade está mergulhada hoje, quer romper a surdez e forçar a humanidade a abrir os olhos para ver Aquele que se aproxima. O Evangelho deste 2º domingo do Advento afirma ainda que o Batista é uma voz. Ele é uma voz, não é a Palavra. A voz do Batista, porém, não é uma voz qualquer, não é uma voz mais entre tantas outras; é uma voz que faz a diferença. “Depois de mim vem aquele que é mais forte do que eu. E eu não sou digno de me abaixar para desamarrar a correia de suas sandálias” (v.7). Anuncia a Palavra viva e eterna que virá para transformar o deserto em relva viçosa, os caminhos tortuosos em estradas planas, os corações vingativos em corações compassivos. O tempo litúrgico do Advento nos convida a cultivar uma atitude tão necessária nos tempos atuais: a escuta das vozes frágeis, diferentes, vozes que, por vezes só chegam a balbuciar. São as vozes dos desempregados, dos deprimidos, dos cansados e desiludidos, e tantas outras vozes que se encontram nas periferias existenciais. Essa escuta nos conduz à voz dos anjos e dos pastores, à vozinha frágil d’Aquele menino deitado numa manjedoura, tão solidário aos sem voz e sem vez. Infelizmente o tempo do natal nos mergulha num “vozerio”. Vozes que nos levam ao consumo, tão longe da sobriedade de vida do precursor e do Messias. Também estamos mergulhados num vozerio que leva ao ódio, à competição, à corrupção, ao individualismo, à violência e à morte. “Preparai o caminho para o Senhor, aplainai suas veredas”. Este grito de João Batista ressoa até nossos dias. Não se trata apenas de uma “conversão individual’, mas de “preparar caminhos”, abrir novas brechas, encontrar alternativas para nossa vida, acolher aquele que vem a nós com outra proposta de vida. Dar mais lugar a Deus em nossas vidas, abrir espaços à sua presença, cultivar uma cultura de paz e de encontro, viver o princípio da misericórdia em nosso ser e agir. Há dimensões de nossa vida que necessitam de novos caminhos a partir da vivência do Advento.