Saboreando a Palavra
“O rosto da misericórdia” – Lc 15,1-3.11-32 – A parábola do “filho pródigo”, ou do “pai misericordioso” é um texto muito conhecido na Igreja. Muitas vezes é interpretada como um fato real, ocorrido em determinada tempo e lugar. Pode ser que por detrás desta narrativa haja situações semelhantes, porém aqui se trata de uma “parábola”, que vem logo depois de duas outras parábolas: a da ovelha perdida e encontrada, da moeda perdida e encontrada (Lc 15, 4-10). Jesus se dirige aos fariseus e doutores da lei que não admitem que ele esteja à mesa com os cobradores e pecadores (15,1-3). Sem esta porta de entrada, estas parábolas perdem a sua força e seu sentido. Elas só se encontram em Lucas e já receberam muitas interpretações, especialmente a do “filho pródigo”, ou melhor, a do “filho perdido e encontrado”. O texto está dividido em duas partes: a) 15,11-24, que mostra toda a trajetória do filho mais novo; b) 15,25-32, que trata da reação do filho mais velho. As duas partes estão ligadas entre si pelo mesmo personagem: o pai generoso que a todos convida para a alegria. Tenhamos presente que Jesus narra esta parábola aos fariseus e doutores da Lei que murmuram que ele esteja comendo à mesa, ou seja, “fazendo festa” com os publicanos e pecadores. Jesus “cria” dois personagens espelho dos dois grupos dos versículos iniciais. O filho mais novo não esteve bem com o pai e, pedindo a herança em vida, renegou o pai. Certamente representa os publicanos e pecadores. O mais velho se acha no direito de merecer tudo do pai e não sabe o que é a viver na gratuidade. São os fariseus e doutores da Lei. Gente boa, mas autorreferenciais, diria o Papa Francisco. Tanto o filho mais novo quanto o mais velho ainda não chegaram à experiência de misericórdia. O mais novo diz: “eu não mereço ser tratado como seu filho”. O mais velho diz que tudo fez e não recebeu a recompensa de um cabrito. Ambos estão na dinâmica do mérito. O Pai é movido pelo amor cuidadoso, cujos traços poderiam ser assim descritos: é um pai próximo, não retém a herança, respeita a decisão do filho e permite-o seguir seu caminho, depois corre ao encontro do filho faminto e humilhado, abraça, beija, interrompe a confissão do filho evitando mais humilhação, não impõe condições para aceita-lo em casa, não exige purificação mesmo que tenha cuidado de porcos, não precisa perdoar pois não se sente ofendido. Só ama e quer resgatar a dignidade de filho, providencia roupa nova, o anel da família, banquete, música, dança. O pai quer gritar ao mundo sua alegria de ter seu filho de volta em casa. E o pai com o filho mais velho? Seu coração não está dividido em “mais” ou “menos”. Não faz comparação com o filho mais novo. Só deseja que o filho mais velho participe de sua alegria. A reação deste filho retoma os primeiros versículos do Cap 15 de Lucas, onde cobradores e pecadores, os “perdidos”, se aproximam de Jesus, enquanto fariseus e doutores, os “profissionais da religião” murmuram e não conseguem entrar na alegria da festa da Boa Nova do Reino. Ir. Zenilda Luzia Petry – IFSJ
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